sábado, agosto 31, 2013

Zé Nando

Ele é abnegado, raçudo, sem especial talento mas com a humildade típica do lateral solidário que apenas deseja o bem da equipa e o cheque no final do mês para pagar as tainadas de domingo com família e amigos.
gamado de gloriaspenafiel.blogspot.com
Ele joga à sueca, ele anda de chinelo de desporto com meia branca no balneário. Ele manteve o mesmo estilo capilar durante década e meia só porque sim. Ele é uma chapada no establishment e no mainstream, porque ele não sabe o que são o establishment e o mainstream. Ele não quer saber o que são o establishment e o mainstream. Ele quer bem aos seus, é amigo do seu amigo. Ele vai de Famel para os treinos, porque a Famel funciona. Se era boa para o Pai nos anos 70, também e boa para ele. Ele e o gajo porreiro de que toda a gente gosta porque não bebe cenas de maricas quando vai sair a noite ao café da aldeia. Ele bebe cerveja, tinto e bagaço  Ele partilha um bom chouriço assado com os portugueses do plantel e a bela da feijoada com os brasileiros. Ele gosta de toda a gente e toda a gente gosta dele. Ele é o Zé Nando.
Ele é o standard, mas nunca Liège porque isso fica muito longe. Penafiel é casa, Paços é perto, Leça, Guimarães e Barcelos não ficam longe. Chipre foi erro. Casa é tudo. Naprons na mesa de jantar e cenas de renda branca com bibelots em cima da TV da sala. 
Em campo, cruza sem grande critério  Na estrada, atravessa cruzamentos sem olhar para os semáforos  Sinais de trânsito são para maricas e estrangeiros. Ele rouba a TV Cabo ao vizinho porque fica mais barato. Ele não gosta do governo, os políticos são uns todos gatunos, mas vota sempre no PS e no PSD. Os gajos dão canetas porreiras e calendários jeitosos durante as campanhas eleitorais, e as t-shirts dão para vergar mola no campo ou ir rachar lenha aos fins-de-semana, quando não há jogo.
gamado de cadernetasecromos.blogspot.com
Ele é futebol. Ele e Domingo as três da tarde. Ele gosta dos programas de verão da RTP porque são bem dispostos. Não gosta do sotaque do Toy, mas tem a discografia toda dos Diapasão porque lhe tocam o coração  Em cassete e CD, porque MP3 são para maricas. Ele não gosta de maricas. Ele e a personagem default que aparece quando queres iniciar um FIFA ou PES em player mode. Ele cheira a futebol. A relva, suor e equipamentos lacatoni mal lavados. Ele gosta de cães rafeiros porque são bons companheiros e não gosta de chineses porque vão para Portugal roubar postos de trabalho. Ele foi um pioneiro a lidar com a crise e com o desemprego, mas mandou-os à merda. Porque ele queria jogar futebol.
Ele é prático, sabe mexer em ferramentas mas mete-lhe asco ter que lavar a louça  Lavar a louça é para mulheres e crianças  Ele põe cenas no cabelo para ficar mas solto e ondulado, mas está a cagar-se para o resultado final. Ele quer é jogar à bola.
O nome dele é Zé Nando, e ele é futebol.

sábado, agosto 03, 2013

Na Casa do Toy

O povo lusitano, antes de massacrado pela crise e deprimido pela instabilidade politica e social, enfardava fortemente a mesa do tubo catódico, deliciando-se com o mais opíparo dos repastos: a vida de Toy. De carros a mulheres, passando por choco frito ou calcas aderentes, o potente baladeiro ensinou-nos muito na vida. Com ele rimos, chorámos, compreendemos a necessidade de chamar um António, de afagar cuidadosamente os nossos sensíveis Olhos D'Água, ou até mesmo de chutar um assunto incomodativo para canto, pois "tu e que querias festa".
Toy, fã de longa data do "Cromos da Bola"

Quem também gostava de chutar para canto era "o outro Toy" (ou para pontapé de baliza e pela linha lateral, enrolado e sem forca).
Alheio a toda esta obsessão para com o Tom Jones português, o então futebolista do Salgueiros caminhava solitário pela sombra - homónimo, mas infeliz. "Ninguém me ligava puto. Os portugueses passavam a vida com o Toy na boca, mas eu era tratado aos pontapés. Desde cedo percebi que estava destinado a uma vida de renegado, de pária…confesso que o meu coração brilhava sempre que ouvia o meu nome na TV…para cair depois numa longa e agoniante caminhada pelas profundezas infernais da depressão quando me apercebia que era do broeiro de Setúbal que falavam."
 Porém, alturas houve em que o bombardeiro cabo-verdiano esteve também ele nas bocas do Mundo: "Foi bonito ter sido comparado ao Eusébio. Jogar no Benfica foi um sonho realizado. Mas quando via craques como Mawete Junior* ou Pepa a fazer malabarismos e a comer tremoço com casca nos treinos, cedo percebi que aquele mundo não era o meu. Eles eram melhores Eusébios do que eu. O Pepa tinha problemas nos joelhos e tudo...eu sabia que não conseguia competir. Já que não conseguia ser um bom Eusébio, tentei ser o melhor Toy possível. Mas nem isso consegui. Tudo por causa daquele broeiro."
 Já no Salgueiros (01/02), Toy tentou recuperar a chama perdida com a confiança desfeita pelo peso da comparação a Pantera Negra:
"Marquei 5 golos em 33 jogos em Vidal Pinheiro, um excelente pecúlio para um ponta-de-lança. Mas o que me orgulhou mais, foi ter marcado mais do que o Mawete e o Pepa juntos. Ate porque o Mawete marcou zero e o Pepa nenhum. Foi uma época em cheio. Finalmente era eu o ultimo dos Eusébios. Orgulhoso, de pé."
"Olá, eu sou o Toy. Não, o outro."
Porem, a nuvem negra em forma de cançoneta popular pairava incólume sobre a sua cabeça. "Esta época de sonho, a dos 5 golos, calhou ao mesmo tempo da estreia do programa do outro gajo. 'Na Casa do Toy', chamava-se assim. No inicio pensei que falavam de mim na rua, nos cafés…mas depois comecei a aperceber-me de cenas estranhas. Eu nunca conduzi com os joelhos ou apalpei as mamas da minha mulher em almoços de família. Esta gente estará maluca, pensava eu. Ignomínia! Depois a dura realidade atingiu-me com violência. Vi um azeiteiro com suíças fininhas a arrotar em frente a esposa e a comer que nem um porco, e pensei cá para mim: aqui há gato. Mas não era gato, era Toy. Fiquei pior que estragado. Não consegui ser um bom Eusébio, nem sequer um bom Toy."
 A medida que o ex-torneiro mecânico de Setúbal ia tornando Portugal num povo estupidamente apaixonado, o cabo-verdiano ia enchendo seus olhos d'água. E a vida nunca mais seria a mesma.
"Senti na pele aquilo que o Marco Paulo do Estoril e do Estrela**já dantes sentira. Não e fácil. 'Aguenta-te com esta', pensei eu…mas depois vi que o outro Toy ja se tinha antecipado a essa também. Toda a minha vida e um triste LP de insucessos e baladas lamechas.***"

  • *actual craque do Dingli Swallows, da II Divisão maltesa (a serio)
  • ** o único jogador a fazer 15 posições diferentes em campo, mais 2 do que Carlos Costa.
  • *** NOTA DA REDACÇÃO : e o Toy antecipou-se a essa também.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...